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Em MS, registros fotográficos guardam memória, história e também expressam identidade

Dia 18 de agosto é celebrado o Dia Mundial da Fotografia


 

A fotografia é um simples registro em imagem de situações e pessoas? A resposta é não. Ela desempenha um papel que vai muito além do simples “congelamento” de um momento. Hoje (19), Dia Mundial da Fotografia, o Jornal Midiamax explora como essa ferramenta interfere na nossa compreensão de mundo, dos registros históricos ao hábito contemporâneo das selfies.

Doutor em Jornalismo pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), Silvio da Costa Pereira é professor do mesmo curso na UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul). À reportagem, ele detalha que a fotografia compreende um multiverso de significados e valores, que dependem de contextos.

“Antes da gente pensar na fotografia como memória, o importante é a gente entender que existem fotografias, no plural. Ela pode ser muita coisa. Ela pode funcionar como memória, funcionar como expressividade, como espaços de uma série de coisas que não necessariamente é memória”, explica o professor.

Sendo assim, o especialista pontua que, sim, registrar a memória é uma função da fotografia, talvez a primeira função dessa ferramenta, mas é uma das possibilidades que as fotos oferecem. Para exemplificar, o professor cita o relógio da Rua 14 de Julho. 

“Se eu vejo uma foto do relógio original, da época em que ele foi instalado, isso pode me indicar detalhes de como que ele era, como eram os automóveis da época, as roupas que as pessoas usavam, etc.”, pontua Silvio.

“No entanto, essa foto também pode me trazer uma certa nostalgia, pode me carregar uma certa vontade de viver aquele tempo. Posso pensar no meu avô, posso pensar na cidade como era, a saudade do trem. Ou seja, ela pode evocar uma série de coisas que nem sempre é aquilo que a gente lembra como memória, assim, tão tradicional”, observa o especialista. 

“E talvez isso seja o que há de rico na fotografia porque, com essa memória, a fotografia explora emoção, sentimento”, completa.

Fotografias são a realidade?

Para Silvio, um ponto fundamental a ser considerado sobre esse tema é que as fotos são “apenas” um recorte da realidade. Portanto, é preciso considerar o respeito ao tentar representar algo que não se vive pessoalmente, por exemplo, como nas fotografias de grupos étnicos e até mesmo movimentos religiosos.

“Nós, pessoas brancas, pessoas não-indígenas, temos que ter muito respeito quando a gente vai fotografar uma determinada etnia, até para entender o quanto ela aceita ser representada, de que modo ela quer ser representada”, pontua o professor.

“Tem uma discussão muito grande em termos de fotografia de indígenas, ou de povos originários, sobre o respeito e o tipo de representação desses povos e também sobre determinadas religiões. É preciso ter respeito àquilo que as pessoas às vezes não querem que seja representado”, explica Sílvio. 

“Tem coisas que são sagradas, questões que são mais íntimas, que talvez para nós, que não somos daquela etnia, daquela vivência ou daquela religião, não faz diferença, mas para aquela pessoa que vive, faz”, completa.

Primeiros registros de MS foram de povos indígenas

Segundo o professor, os primeiros fotógrafos que passaram por Mato Grosso do Sul realizaram registros no final do século 19 e começo do século 20. Eles registraram etnias indígenas que viviam aqui. 

“Essas imagens contêm informações sobre como elas viviam, mas eu sou uma não indígena, uma pessoa branca, então, com certeza, as informações que eu vou carregar e compreender daquela imagem são diferentes de uma pessoa terrena ou de alguma etnia que tenha relação com a imagem que está sendo vista ali”, avalia o especialista.

Sendo assim, por mais que a compreensão sobre um recorte de imagem possa variar de pessoa para pessoa, as fotos também podem carregar “uma série de informações daquilo que não está mais aqui, de vivências, de formas de vida, por exemplo, que não existem mais.”

No entanto, muitas vezes a gente não entende a profundidade daquilo que foi registrado, até porque toda representação é feita a partir da bagagem pessoal de quem registrou. 

“Não só a foto, um texto, por exemplo, e toda a forma de representação, a gente cria a partir daquilo que a gente conhece, a partir daquilo que a gente sabe sobre determinada coisa. Então, sempre tem um filtro”, salienta.

Não fotografamos com a câmera, mas com nosso ponto de vista

Ou seja, toda vez que fotografamos, fazemos isso a partir dos nossos pressupostos, das nossas vivências.

“Se eu coloco outra pessoa no mesmo lugar, fotografando o mesmo evento, as imagens vão ser diferentes porque a outra pessoa tem outra vivência, outra cultura”, explica o especialista.

“Por isso, alguns autores vão dizer que a gente não fotografa com a câmera, mas a gente fotografa com a nossa vida, com a nossa cabeça, com a nossa cultura”, afirma.

Fotojornalistas, por exemplo, no exercício da profissão, procuram não deixar as influências pessoais interferirem nessa representação da realidade. No entanto, a população em geral, usa esse “filtro” e nem percebe.

“No nosso dia a dia, as nossas fotos de redes sociais, acabam carregando muito disso, do nosso olhar pessoal sobre a rotina e o que queremos mostrar, e a gente não se dá conta mesmo, faz parte”, pontua.

É por isso que, quando a gente faz uma fotografia, um vídeo, um texto, “tudo isso já tem um filtro. E ainda vai ter outra pessoa que vai ver de outra forma. Isso é o que a gente chama de interpretação. Por isso, é cada vez mais importante a gente entender que a fotografia é uma representação”, completa Sílvio.

Assim, o professor conclui: “o real é aquilo que a gente vive.”