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O caso Laina e a invisibilidade das mulheres negras vítimas de violência: Reflexões geográficas interseccionais por Beto Teles

Quando a mídia universaliza e apaga: quem fala das mulheres negras?


     A morte brutal de Laina, vítima de golpes de marreta desferidos pelo marido, expôs não apenas a barbárie de mais um feminicídio na Região Metropolitana de Salvador (RMS), mas também as camadas profundas de desigualdade que atravessam as experiências de mulheres negras no Brasil. O caso levanta questões urgentes sobre como o território, a raça, o gênero e a classe social se combinam para produzir contextos de vulnerabilidade e invisibilidade.

Violência de gênero como fenômeno territorial

     O feminicídio não ocorre de maneira isolada; ele se insere em uma rede de relações sociais e espaciais que reproduzem desigualdades históricas. No caso de Laina, o espaço doméstico, que deveria ser de proteção, tornou-se cenário de violência letal. Lauro de Freitas, município que integra a RMS, carrega as marcas da desigualdade urbana brasileira: segregação residencial, disparidades de acesso a serviços públicos e fragilidade das redes de proteção às mulheres.

Interseccionalidade: etnia, gênero e classe

     A análise interseccional, proposta por Kimberlé Crenshaw e aprofundada por Carla Akotirene, permite compreender como diferentes sistemas de opressão se cruzam. Mulheres negras enfrentam um risco ampliado de violência letal devido ao racismo estrutural, que se soma ao sexismo e à precarização econômica. No Brasil, dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública revelam que a maioria das vítimas de feminicídio são negras, jovens e moradoras de áreas periféricas.

Invisibilidade nas estatísticas e na mídia

     Apesar da alta incidência de violência contra mulheres negras, a cobertura midiática frequentemente dilui o debate racial, tratando as vítimas como parte de uma categoria universal de “mulheres”. Essa abordagem apaga as especificidades de suas trajetórias e reforça a invisibilidade histórica dessas vidas. No caso de Laina, a notícia chocou pela brutalidade, mas poucos veículos enfatizaram como as desigualdades estruturais podem ter contribuído para sua vulnerabilidade.

Geografia crítica e justiça espacial

     A Geografia, em diálogo com os estudos interseccionais, pode contribuir para compreender como a produção desigual do espaço urbano influencia os índices de feminicídio. Mapear territórios de risco, analisar padrões de segregação e identificar áreas carentes de políticas públicas são passos essenciais para enfrentar a violência de gênero em sua dimensão espacial.

Políticas públicas e prevenção

     Prevenir feminicídios exige mais do que leis punitivas. É preciso ampliar políticas habitacionais seguras, redes de acolhimento, acesso a serviços de saúde mental, proteção policial efetiva e campanhas educativas. Além disso, urge incorporar a perspectiva interseccional no planejamento urbano e nas ações governamentais, reconhecendo que mulheres negras estão mais expostas a múltiplas formas de opressão.

Conclusão

     O feminicídio de Laina não pode ser visto como um evento isolado ou fruto apenas de circunstâncias individuais. Ele é expressão de um padrão histórico e estrutural de violência que se alimenta das desigualdades étnicas, de gênero, econômicas e territoriais que marcam a sociedade brasileira. A análise interseccional evidencia que as mulheres negras estão situadas no cruzamento de múltiplas formas de opressão, o que amplia seu risco de vitimização e invisibilidade.

    Enfrentar esse cenário exige mais do que a responsabilização penal dos agressores; requer políticas públicas que considerem o território como fator determinante para a proteção e para o acesso a direitos básicos. Planejamento urbano, segurança pública, educação antirracista e serviços de apoio psicológico devem ser articulados para romper o ciclo de vulnerabilidade que atinge, sobretudo, mulheres negras em regiões periféricas.

     Assim, o caso de Laina precisa servir como reflexão e ação, impulsionando o debate sobre justiça espacial e igualdade social no Brasil. Apenas ao reconhecer as raízes interseccionais da violência será possível transformar o luto em luta por dignidade, segurança e vida plena para todas as mulheres.