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Foi uma resposta à censura e à opressão

O canal no YouTube de Felipe Neto tem 330 milhões de visualizações mensais: público de todas as idades


Felipe Neto, 31 anos, é dono de um dos canais mais populares do YouTube brasileiro e conhecido por tomar posições firmes no campo da diversidade. A sua iniciativa de distribuir 14 mil livros na Bienal do Rio de Janeiro, depois que o prefeito Marcelo Crivella censurou sumariamente um gibi da Marvel com dois garotos se beijando, foi fenomenal.

 

 

Neto se mostrou estratégico e libertário, deu um passo de gigante para o amadurecimento da democracia e entrou de corpo e alma no debate político. As filas de leitores para ganhar os livros só se extinguiram depois de sete horas. Nos últimos dias só se falou de seu gesto contra Crivella. O que ele fez foi resistir a um ato arbitrário com contundência e elegância. “A campanha na Bienal foi uma forma de mostrar que o povo está unido e que lutará com unhas e dentes pela liberdade e pelo amor”, disse ele em entrevista à ISTOÉ.

O que o fez distribuir 14 mil livros com temática LGBTQI+ na Bienal do Rio de Janeiro? Pensou nisso assim que Marcelo Crivella censurou o gibi da Marvel?

Foi uma resposta à censura e à opressão. Não podemos mais nos calar perante o que está acontecendo. Há um plano de silenciamento e controle e nós, como população, precisamos nos levantar contra isso. A campanha na Bienal foi uma forma de mostrar que o povo está unido e que lutará com unhas e dentes pela liberdade e pelo amor. Deu muito trabalho, mas foi uma grande felicidade.

Por que era tão importante enfrentar a decisão do prefeito Crivella? O Rio de Janeiro está diante de um governante autoritário e obscurantista? Em sua opinião, o que leva um prefeito a atuar dessa forma?

O prefeito é ignorante e manipulador. Ele e outros líderes religiosos e políticos gostam de deturpar o Estatuto da Criança e do Adolescente para encaixar qualquer tipo de afeto homossexual na pornografia. É algo que você não espera de alguém com a mínima capacidade intelectual, mas infelizmente estamos falando de pessoas que, cada vez mais, defendem teorias da conspiração, se voltam contra a ciência e lutam para fazer lavagem cerebral naqueles que os seguem. É a multiplicação da ignorância e da intolerância.

Qual é o balanço que faz de sua ação? Seus objetivos foram atingidos? Imaginava que tivesse o alcance que teve? Por que sua iniciativa conseguiu tanto apoio?

A ação não foi minha, foi de todos, foi de cada voluntário e cada pessoa que pegou seu livro grátis. Foi de cada um que tirou foto, que se posicionou, que gritou contra o prefeito e contra a decisão estúpida de censura. A campanha foi um sucesso porque era voltada para o amor e a união, algo que está em falta no Brasil político em 2019.

A censura voltou? Teme que situações como essa passem a se repetir com frequência?

A censura com amparo legal já está ocorrendo em todos os cantos. Em todo tipo de evento, que envolva participação pública, a censura legalizada já está operando, como vimos na campanha do Banco do Brasil, vetada pelo presidente por ter diversidade demais, ou na proibição da palestra gratuita de Leonardo Boff no INCA, apenas por ser contra Bolsonaro. O que estão fazendo na Ancine (Agência Nacional do Cinema), então, nem se fala. Todo tipo de censura legal já está sendo aplicada, agora é questão de tempo até eles partirem para a censura ilegal de vez, como tentou fazer o prefeito Crivella.

Como viu as reações dos políticos do PSL à sua iniciativa? Houve uma reação coordenada contra você?

Sim, absolutamente coordenada, como eles sempre fazem, utilizando seus exércitos de robôs e pessoas manipuladas por grupos de Whatsapp. Contudo, o PSL é fraco, qualquer pessoa com uma mínima capacidade intelectual consegue ver que o partido é um circo composto por palhaços que não têm a menor graça. Os ataques deles contra mim acabam sendo um motivo de orgulho.

Como está o processo contra o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ)? Ele é o autor do primeiro tuíte de ataque contra a distribuição dos livros LGBT. O que o incomodou nas postagens do deputado?

Meu processo contra o deputado em questão foi graças a um tuíte desse ano, em que ele afirmou que eu havia ensinado jovens a entrarem na deepweb. E que foi assim que os terroristas de Suzano conheceram o site onde coordenaram um grande assassinato. A Justiça já obrigou o deputado a apagar o tuíte e agora ele tenta alegar imunidade parlamentar para se safar do que fez. É o típico comportamento de gente como ele.

Você foi ferozmente atacado por robôs e por políticos aliados do governo de Jair Bolsonaro. Esperava por tal reação? Supunha que ela seria tão forte e virulenta?

Em primeiro lugar, precisamos que a CPI das fakenews vá para frente, mesmo com o PSL tentando de todas as formas impedir. Hoje (terça-feira 10) os seus deputados lutaram com unhas e dentes para não permitir que representantes do Whatsapp e do Telegram fossem convidados para a audiência pública. Por quê? O que o PSL tem a esconder? Qual é o medo do partido que se investigue a criação de fakenews para fins eleitorais e de ataques à reputação? Ora, porque eles sabem o que está por vir. Eles sabem que a caixa de pandora pode ser aberta a qualquer momento e derrubar muita gente. Quem financia o uso de robôs? Quem paga o monitoramento digital e organização de ataques? Encontrem essas respostas com investigação e parte do governo cairá.

O que tem a dizer para aqueles que tratam sua ação na Bienal como oportunista?

Convido a todos a conhecerem mais a minha história. Tenho certeza de que aqueles que me acompanham sabem da minha luta e enxergam a verdade. Mas, se mesmo assim, a pessoa quiser me enxergar como oportunista, não vejo problema. Prefiro ser visto como oportunista, mas lutando por um mundo melhor, do que ser visto como não oportunista, porém calado por medo de perder público.

Mesmo sendo heterossexual, emprestou a sua reputação para a causa LGBTQI+. Que mensagem quer passar?

Eu só quero fazer a minha parte na luta por um mundo melhor. Como homem hétero e branco, é meu dever reconhecer os privilégios que a vida sempre me deu e tentar utilizá-los na luta para que um dia todos possam ter o mesmo nível de privilégios. Não reconhecer a história e a luta da comunidade LGBTQI+ é perder um pedaço de sua própria humanidade.

Acha que o governo perde tempo ao travar batalhas contra influenciadores como você? O governo tem problemas maiores para enfrentar?

É óbvio que perde tempo, diversos deputados do PSL perdem mais tempo comigo do que com qualquer outro tema. Já teve deputado fazendo lives no plenário só para me atacar. O partido é uma balbúrdia, os políticos que lá estão envergonham o Brasil continuamente. Nunca na história da democracia o nosso País teve uma imagem tão patética para o restante do mundo.

Houve uma batalha das hashtags #PaisContraFelipeNeto e #PaisComFelipeNeto. Quem levou a melhor?

Não é questão de qual hashtag levou a melhor, mas sim de qual foi a narrativa. A hashtag criada pelo PSL foi dominada completamente pelas pessoas que defendem minha ação na Bienal, era totalmente desproporcional o nível de apoio em relação ao nível de crítica. Como falei, o PSL pode ter robôs, pode ter massa de manobra por correntes de Whatsapp, mas o PSL é fraco.

Você é um grande influenciador da juventude. Com esse movimento que acaba de criar, chegou a hora de influenciar também os pais? O público de Felipe Neto está ficando mais maduro?

Sem dúvida. Hoje, a quantidade de pais que acompanham meu canal é imensa. São mais de 34 milhões de inscritos e 330 milhões de visualizações mensais, não é possível atingir isso apenas com adolescentes. Muita gente já percebeu que o conteúdo do meu canal serve para todas as idades.

As mídias sociais são o melhor campo de batalha para enfrentar o bolsonarismo e sua vocação autoritária? O caminho é usar as mesmas armas?

Sim. Afinal, foi exatamente onde eles surgiram e se popularizaram.

Planeja mais ações em torno de causas progressistas?

Continuarei na luta diária de tentar levar o amor, a diversidade e a união para as pessoas que me acompanham. Sempre que possível, serei mais contundente, principalmente na luta pela democracia e contra a censura.

Como lida com a influência que tem? Sua posição exige enorme responsabilidade. Quais os cuidados que toma ao expressar a sua opinião?

Já abandonei os palavrões há três anos, não passo mensagens que possam atrapalhar a educação dos pais em casa, tento sempre ser um auxílio para os pais nesse sentido, dando mensagens positivas para todo mundo.

Um dos filhos do presidente, Carlos Bolsonaro, diz que o País não terá transformação rápida “por vias democráticas”. Há uma vontade ditatorial nessa declaração?

É o sonho deles e eles nunca fizeram o menor esforço em esconder isso. Os ídolos do pai são um torturador da ditadura (Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra) e um ditador assassino do Chile (Augusto Pinochet). O que mais podemos esperar?

Há um risco real de retrocesso democrático? O governo quer calar a oposição?

Óbvio que há, o próprio Jair Bolsonaro falou, às vésperas da eleição: “nós vamos varrer os opositores vermelhos do País”. Faz parte da estratégia dessa extrema direita que está no poder: taxar o inimigo como comunista e fomentar o ódio na população, para que ela própria comece a clamar por ordem e opressão. Só que, dessa vez, eles terão toda a resistência que a internet é capaz de proporcionar.

Você tem planos de entrar na carreira política?

Não. Nenhum.

De que trata o seu novo livro, “O mundo segundo Felipe Neto”. A política e as liberdades individuais são assunto da obra?

Não, de maneira alguma, é um livro leve que traz citações e material divertidos sobre a história do meu canal, além de um enigma escondido que precisa ser decifrado pelo leitor. Pretendo, no futuro, lançar mais obras literárias de conteúdo adulto, mas ainda não é a hora. Tudo no momento certo.