Política

'Se buscássemos aliados, seriam importantes Lula, Eduardo Cunha e Sérgio Cabral', diz Deltan da Lava Jato sobre diálogo que cita FHC

Entre os diálogos divulgados - cuja autenticidade não é reconhecida por Deltan - existe uma mensagem que indica suposta preocupação da força-tarefa em 'melindrar' FHC com a abertura de uma investigação, pois ele seria 'um aliado importante'.


Em meio à polêmica dos diálogos divulgados pelo site The Intercept que apontam para a tese de que teria participado de conluio com o ex-juiz Sérgio Moro na Lava Jato, o procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa do Ministério Público Federal na maior operação já deflagrada no país contra a corrupção, afirma que ele e seus colegas jamais agiram para não 'melindrar' o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. 

"Se buscássemos aliados, seriam importantes Lula, Eduardo Cunha e Sérgio Cabral, políticos muito influentes, mas que foram condenados e presos. Seriam também aliados importantes Renan, Aécio, Temer e outros que foram delatados na Lava Jato e acusados pela Procuradoria-Geral da República", afirma Deltan, em entrevista ao Estadão.

Entre os diálogos divulgados - cuja autenticidade não é reconhecida por Deltan - existe uma mensagem que indica suposta preocupação da força-tarefa em 'melindrar' FHC com a abertura de uma investigação, pois ele seria 'um aliado importante'.

Segundo o procurador, 'os fatos deixam claro que influência, dinheiro e poder jamais foram critérios para aferir responsabilidade na Lava Jato'. "As teorias inventadas contra a operação brigam contra fatos."

Na entrevista, Deltan diz que ele e os outros procuradores da força-tarefa da Lava Jato no Paraná nunca agiram para tirar o ex-presidente Lula do cenário político. "É uma teoria da conspiração que não se verifica."

Deltan negou que estivesse inseguro quando concluía a denúncia contra o petista no processo do triplex do Guarujá - ação que condenou Lula por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, via três instâncias judiciais, e o levou para a prisão da Lava Jato em abril de 2018.

"O Ministério Público só apresenta denúncia quando há provas robustas. A condenação do ex-presidente e sua confirmação em dois tribunais superiores independentes confirmam isso."

Taxativo, ele diz que denunciou o petista 'pelo mesmo motivo que embasou denúncias contra outros réus da Lava Jato,  a existência de provas de um crime e de sua autoria'. "Ninguém tem prazer em acusar alguém ou ao constatar tanta corrupção no país, ainda mais quando praticada por quem deveria dar o bom exemplo."

Deltan diz que dorme com a consciência tranquila. "Sim, sempre."

Na entrevista ao Estadão, o procurador diz que não tem medo do que ainda possa ser divulgado sobre as mensagens que lhe são atribuídas e também a seus colegas e a Moro. "O que receio é que a luta contra a corrupção pare na Lava Jato. Se queremos superar a corrupção política como problema sistêmico, é necessária a aprovação de leis no Congresso que mudem as condições que favorecem práticas espúrias e sua impunidade."

LEIA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA DE DELTAN DALLAGNOL

 ESTADÃO: A quem incomoda a Lava Jato?

PROCURADOR DA REPÚBLICA DELTAN DALLAGNOL: A Lava Jato incomoda poderosos, inclusive integrantes da elite política e econômica que roubavam o Brasil impunemente havia décadas. Esses grupos que agora se veem ameaçados têm braços e influência em diferentes setores. A sua corrupção prejudica o desenvolvimento econômico e social do país. Isso precisa mudar, mas há resistência.

ESTADÃO: Tem suspeitas sobre quem acessou diálogos atribuídos ao sr, a seus colegas e ao ex-juiz Moro?

DELTAN: Identificamos ataques, mas não sabemos ainda o que foi obtido e por quem. Só a investigação da PF poderá dar essa resposta. Mas houve invasão de sistemas telefônicos e sequestro de contas de aplicativos, o que sugere o uso de métodos sofisticados. Sabemos que muitas autoridades foram atacadas, mas só as que atuam na Lava Jato são alvo de divulgação, o que dá pistas sobre os interesses envolvidos. A suspeita é que seja mais uma atuação de organizações criminosas reveladas pela operação.

ESTADÃO: Quem tem interesse nesse hackeamento?

DELTAN: O interesse é anular condenações e barrar o avanço da investigação. A operação atingiu muitos poderosos e detentores do poder econômico. Poderia ser qualquer um deles, além dos corruptos que ainda não foram alcançados pela Lava Jato.

ESTADÃO: Vai pedir à Justiça que proíba a divulgação de mensagens atribuídas ao sr.?

DELTAN: Consideramos a liberdade de imprensa e expressão um direito e um valor fundamental da democracia. A força-tarefa jamais cogitou isso, mas há uma evidente injustiça quando supostas mensagens, de origem criminosa, são usadas de modo editado, descontextualizado e sem aferição da autenticidade para criar teorias contra a Lava Jato.

ESTADÃO: Por que o sr não aceitou o convite para depor à Câmara dos Deputados? Tem algum receio?

DELTAN: Não tenho nenhum receio porque todos os atos da Lava Jato estão justificados em fatos, provas e na lei. O Congresso é palco de discussões muito relevantes, mas de natureza política. O meu trabalho na força-tarefa é técnico e realizado perante a Justiça. Foi isso que expliquei na resposta que enviei aos convites da Câmara e do Senado.

CURITIBA/PR 13/07/2017 POLÍTICA / ENTREVISTA / DELTAN DALLAGNOL / EXCLUSIVO EMBARGADO - O coordenador da força tarefa da operação Lava Jato no MPF, em Curitiba, Deltan Dallagnol, concede entrevista na sala onde trabalha junto aos outros 10 procuradores dedicados ao caso. FOTO: THEO MARQUES/ESTADÃO

ESTADÃO: O sr entregou seu celular para perícia da Polícia Federal?

DELTAN: A Polícia Federal entendeu que isso não contribuiria para as investigações porque a atividade criminosa atingiu as contas mantidas no Telegram, na internet, e não no aparelho. Antes da divulgação das mensagens atribuídas a mim e a outros procuradores, eu encerrei a conta no Telegram e troquei meu aparelho, seguindo as orientações da própria Polícia Federal para proteger as investigações em curso e a minha segurança pessoal.

ESTADÃO: A invasão de celulares de procuradores que ajudaram a desmontar o maior escândalo de corrupção da história beneficia a quem?

DELTAN: Só beneficia o crime. Investigados podem ser avisados sobre operações e destruir provas. A informação sobre apurações ou acordos em andamento pode ser vendida para gerar lucros na bolsa. Mensagens descontextualizadas ou editadas podem ser usadas na tentativa de gerar intrigas entre instituições, anular processos e fazer falsas acusações contra autoridades. Tudo isso pode estar acontecendo agora mesmo. Sem falar no risco à segurança pessoal das autoridades e de suas famílias.

Doleiro Alberto Youssef, que, segundo a Lava Jato, 'modernizou' métodos de lavar dinheiro. FOTO:DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

ESTADÃO: A Lava Jato já passou por outros ataques de contrainteligência, como na questão dos grampos na cela do doleiro Alberto Yousseff. Além do hackeamento de celulares, os srs trabalham com outras hipóteses sobre como pode ter se consumado o vazamento das mensagens?

DELTAN: O hackeamento está comprovado. A questão em aberto é quem promoveu o hackeamento e não se ele ocorreu.

ESTADÃO: Confrontado com os supostos diálogos divulgados, há algo de que o sr se arrependa na condução das investigações?

DELTAN: É sempre possível aperfeiçoar os trabalhos, mas os repetiria, mesmo sabendo do alto preço pessoal pago por confrontar ricos e poderosos. Todos os atos da força-tarefa são fundamentados em fatos, em provas e na lei e foram validados por diversas instâncias da Justiça. Foi assim que conseguimos, de forma inédita, recuperar bilhões de reais para os cofres públicos e responsabilizar criminosos milionários e caciques da política.

 ESTADÃO: A força-tarefa não tem reconhecido as mensagens, mas o site Intercept divulgou um áudio e afirma ter vários áudios. Isso não confirma a autenticidade das mensagens?

DELTAN: É realmente possível que o criminoso tenha obtido mensagens do aplicativo telegram. Entretanto, isso não afasta a possibilidade de edição ou falsificação das mensagens de texto ou áudio, o que pode ter ocorrido até mesmo antes de o material ser entregue ao site, que não o submeteu a nenhuma autoridade para verificação. Aliás, o que se viu em publicações foram indícios claros de que as mensagens realmente foram editadas.

ESTADÃO: O sr ou os outros procuradores não podem apontar o que é verdade ou mentira nas mensagens que são atribuídas?

DELTAN: Não temos as mensagens originais para comparar. Antes da divulgação do hackeamento, encerramos nossas contas no aplicativo para proteger as investigações em andamento e nossa segurança. Isso apagou as mensagens nos celulares e na nuvem. É impossível lembrar detalhes de milhares de mensagens trocadas ao longo de anos. A mudança de uma palavra, a inserção de um 'não' ou a abstração de contextos podem mudar significados. E o que temos visto são indícios de edição e evidências de que supostas mensagens, pelo menos na forma como são apresentadas, contrastam com a realidade.

ESTADÃO: Uma reportagem recente da Revista Veja aponta para supostos diálogos em que o sr teria enviado uma versão inacabada de uma denúncia ao então juiz Sérgio Moro. Reconhece este diálogo? Como vê essa prática?

DELTAN: Como parte, apresentamos aos juízes e aos tribunais análises e argumentos, em reuniões e por escrito, sempre que necessário para defender o interesse público. Mas jamais existiu uma prática de antecipar peças em elaboração.

ESTADÃO: O ex-juiz Moro orientou a Procuradoria a publicar uma nota oficial à imprensa criticando a defesa do ex-presidente Lula? Isso é comum?

DELTAN: Não tenho como comentar o teor de diálogos que não tiveram o contexto e a veracidade comprovados. Reconhecemos o papel fundamental da mídia e, por isso, fizemos uma série de declarações à imprensa ao longo da operação. O interesse do Ministério Público não é condenar, mas buscar a realização da Justiça, o que implica também a absolvição dos inocentes. Não fazemos notas contra ou a favor de pessoas.

ESTADÃO: Em outra publicação sobre os diálogos, o site The Intercept mostra falas em que o ex-juiz teria questionado procuradores sobre a publicidade de delações que envolvem o ditador Nicolás Maduro. O sr teria dito que haveria críticas e um preço, mas que valeria pagar para expor e contribuir com os venezuelanos. A força-tarefa agiu no sentido de contribuir para tornar públicas as delações? Fez o mesmo em relação ao opositor de Maduro, Henrique Capriles? O sr admite que esta seria uma atuação política?

DELTAN: Esse foi um dos casos em que ficou claro o uso das supostas mensagens para tentar prejudicar reputações e enfraquecer a Lava Jato. Sugeriram que vazamos informações sobre a corrupção na Venezuela, mas os áudios vazados tinham sido apresentados por colaboradores da Odebrecht ao STF e sequer foram encaminhados à força-tarefa. Seria legítimo fazermos acusações relacionadas a outros países, estando os fatos sujeitos à nossa jurisdição, mas sequer isso ocorreu.

Nicolás Maduro. Foto: Carlos Garcia Rawlins/Reuters

ESTADÃO: Há outro caso em que o ex-juiz teria orientado a incluir um dado de depósito bancário em uma denúncia, antes de ser recebida. Ele orientava os procuradores? O sr teme que sua atuação, junto a Moro, da maneira que é exposta nestes supostos diálogos, exponha a Lava Jato a nulidades? 

DELTAN: Embora não reconheçamos as supostas mensagens, falarei desse caso porque alguns apontaram como a mais grave 'revelação', para mostrar o viés sensacionalista. Ainda que essa mensagem fosse verdadeira, ela não mostra nenhuma atuação enviesada. Na falta de manifestação do MP sobre o tal depósito, o juiz poderia ter despachado nos autos, questionando o órgão sobre o eventual arquivamento implícito do fato. Ou poderia suscitar o aditamento da denúncia, como permite expressamente o Código de Processo Penal no artigo 384. Sobre o caso em questão, temos ainda que o próprio juiz absolveu os réus em relação ao depósito.

Moro, Cunha, FHC, Lula, Deltan e Cabral. Fotos: Dida Sampaio/ESTADÃO, André Dusek/ESTADÃO, Gabriela Biló/ESTADÃO, Rafael Arbex/ESTADÃO, Theo Marques/ESTADÃO e Fabio Motta/ESTADÃO

ESTADÃO: Uma mensagem atribuída a Moro expõe suposta preocupação em 'melindrar' o ex-presidente Fernando Henrique com a abertura de uma investigação, pois ele seria 'um aliado importante'. O sr. se recorda desse episódio? Como avalia?

DELTAN: Se buscássemos aliados, seriam importantes Lula, Eduardo Cunha e Sergio Cabral, políticos muito influentes, mas que foram condenados e presos. Seriam também aliados importantes Renan, Aécio, Temer e outros que foram delatados na Lava Jato e acusados pela Procuradoria-Geral da República. Os fatos deixam claro que influência, dinheiro e poder jamais foram critérios para aferir responsabilidade na Lava Jato. As teorias inventadas contra a operação brigam contra fatos.

ESTADÃO: O sr chegou a dizer 'O Fachin é nosso' em conversas com procuradores? O que isso significa?

DELTAN: Ele foi meu professor na Universidade Federal do Paraná, é um dos juristas que mais admiro e eu jamais faltaria com respeito a ele. Lamento que uma suposta mensagem, não comprovada, tenha sido usada para arrastá-lo a esse debate. A independência e o compromisso com a Justiça do ministro Fachin estão acima de qualquer suspeita.

Ministro Edson Fachin. FOTO: Rosinei Coutinho/SCO/STF

ESTADÃO: Como vê as pesadas críticas do ministro Gilmar Mendes ao sr e à atuação da força-tarefa do MPF na Lava Jato?

DELTAN: Prefiro não comentar ataques e grosserias de autoridades contra a operação Lava Jato, que incomoda muita gente.

ESTADÃO: Há algo de que se arrependa na coordenação da Lava Jato? O que não faria novamente?

DELTAN: Os resultados alcançados pela operação são fruto da dedicação e sacrifício pessoal de dezenas de servidores públicos, não só do MPF, mas também da PF, Receita, CGU, TCU e outros órgãos. Na coordenação da força-tarefa, meu papel é apoiar e, frequentemente, representar a equipe. Melhorar sempre é possível, mas todo esse trabalho já contribuiu decisivamente para algo que era considerado impossível, que era romper a impunidade de poderosos e recuperar bilhões. Tenho orgulho de servir nessa equipe e do trabalho que fazemos.

ESTADÃO: O Fundo bilionário Petrobrás foi um erro?

DELTAN: O fundo foi a solução técnica encontrada para viabilizar a permanência de R$ 2,5 bilhões no Brasil, se não o dinheiro ficaria nos Estados Unidos. A questão é complexa, tanto que, depois da suspensão do fundo, ainda não se chegou a uma solução alternativa necessária para evitar que a Petrobras seja forçada a pagar a multa fora do país. Estamos certos de que a PGR e o STF encontrarão uma solução, mas não se pode esquecer que sem os esforços iniciais da força-tarefa todo o valor seria pago a autoridades norte-americanas.

ESTADÃO: A passagem do power point custou caro ao sr?

DELTAN: Atuamos dentro da lei e o arcabouço de provas naquele caso é robusto, conforme ficou demonstrado pela condenação e sua confirmação em outras instâncias judiciais. Independentemente da forma da apresentação, sempre haverá críticas em especial no ambiente polarizado em que vivemos.

ESTADÃO: O sr e seus colegas quiseram deliberamente tirar Lula do cenário político?

DELTAN: Essa é uma teoria dos que querem forçar anulações. A Lava Jato não se resume a um ou outro caso. São centenas de casos que atingiram todo o espectro ideológico. Só na força-tarefa de Curitiba já passaram 19 procuradores e mais de 30 servidores. A equipe inclui eleitores do PT. Há ainda dezenas de outros procuradores e servidores que atuam no caso pelo próprio MP, PF, Receita Federal e outros órgãos. Os atos judiciais são revisados por três instâncias independentes. A teoria da conspiração não se verifica.

Procurador Deltan Dallagnol. Foto: Rodolfo Buhrer/Fotoarena

ESTADÃO: O sr. estava inseguro quando concluía a denúncia contra o ex-presidente no processo do triplex do Guarujá?

DELTAN: O Ministério Público só apresenta denúncia quando há provas robustas. A condenação do ex-presidente e sua confirmação em dois tribunais superiores independentes confirmam isso.

ESTADÃO: O que o levou a fechar a denúncia contra o ex-presidente?

DELTAN: O mesmo motivo que embasou denúncias contra outros réus da Lava Jato: a existência de provas de um crime e de sua autoria. Como procurador, tenho obrigação de cumprir meu dever. Ninguém tem prazer em acusar alguém ou ao constatar tanta corrupção no país, ainda mais quando praticada por quem deveria dar o bom exemplo.

ESTADÃO: Faria tudo de novo?

DELTAN: Apresentar a denúncia não é uma opção, mas sim um dever, quando há provas do crime e de quem o praticou. Trabalhar na Lava Jato gera um grande custo pessoal. Mas todos da força-tarefa estamos dispostos a pagá-lo para cumprir nosso dever e contribuir para um país com menos corrupção e menos sofrimento humano causado por essas práticas espúrias.

ESTADÃO: Dorme com a consciência tranquila?

DELTAN: Sim, sempre. A Lava Jato foi um trabalho institucional sólido e, na força-tarefa, atuaram 19 procuradores. Não há chefe, as informações e decisões são debatidas e tomadas por todos, democraticamente. São pessoas conhecidas na casa pela trajetória e caráter. Caminhamos unidos porque agimos corretamente e todos temos tranquilidade em relação a isso.

ESTADÃO: Tem medo do que ainda possa ser divulgado sobre as mensagens atribuídas ao sr?

DELTAN: Não. O que receio é que a luta contra a corrupção pare na Lava Jato. Se queremos superar a corrupção política como problema sistêmico, é necessária a aprovação de leis no Congresso que mudem as condições que favorecem práticas espúrias e sua impunidade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Estadão.