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Quedas de energia atingem a China, ameaçando a economia

Há várias razões pelas quais a eletricidade está subitamente em falta em grande parte da China. Mais regiões do mundo estão reabrindo depois dos bloqueios da pandemia, aumentando consideravelmente a demanda nas fábricas exportadoras chinesas, grandes consumidoras de eletricidade.


Dongguan, China – Os cortes de energia e até mesmo os apagões diminuíram a produção ou fecharam fábricas em toda a China recentemente, adicionando uma nova ameaça à desaceleração da economia do país e potencialmente prejudicando ainda mais as cadeias globais de suprimentos antes da movimentada temporada de compras de Natal no Ocidente.

As paralisações se espalharam por grande parte do leste do país, onde a maioria da população vive e trabalha. Alguns prédios desligaram elevadores. Algumas estações municipais de bombeamento fecharam, o que levou uma cidade a pedir aos moradores que armazenassem água extra pelos próximos meses, embora mais tarde tenha voltado atrás.

Há várias razões pelas quais a eletricidade está subitamente em falta em grande parte da China. Mais regiões do mundo estão reabrindo depois dos bloqueios da pandemia, aumentando consideravelmente a demanda nas fábricas exportadoras chinesas, grandes consumidoras de eletricidade.

A demanda de exportação de alumínio, um dos produtos cuja fabricação mais consome energia, está alta, e também tem sido robusta para o aço e o cimento, ambos importantes para os vastos programas chineses de construção.

Com o aumento da demanda por eletricidade, subiu o preço do carvão que a gera. Mas os reguladores chineses não permitiram que os serviços públicos aumentassem as contas de luz para cobrir o custo do carvão. Assim, as concessionárias têm agido lentamente para manter a operação de suas usinas por mais horas.

Na cidade de Dongguan, grande centro fabril perto de Hong Kong, uma fábrica de calçados que emprega 300 trabalhadores alugou um gerador recentemente por US$ 10 mil por mês para garantir que o trabalho pudesse continuar. Entre os custos de aluguel e do diesel, a eletricidade agora é duas vezes mais cara do que quando a fábrica estava simplesmente usando a oferecida pela rede. "Este ano é o pior desde que abrimos a fábrica há quase 20 anos", afirmou Jack Tang, seu gerente-geral.

Economistas previram que as interrupções na produção chinesa tornariam mais difícil para muitas lojas no Ocidente reabastecer prateleiras vazias e poderiam contribuir para a inflação nos próximos meses.

Não está claro quanto tempo a crise de energia vai durar. Especialistas na China previram que as autoridades compensariam controlando o consumo de indústrias com uso intenso de energia, como a do aço, a do cimento e a do alumínio, e disseram que isso poderia resolver o problema.

A State Grid, distribuidora de energia administrada pelo governo, declarou em um comunicado que garantiria suprimentos "e manteria resolutamente o básico para os meios de subsistência, o desenvolvimento e a segurança das pessoas".

Ainda assim, a escassez de energia em todo o país levou os economistas a reduzir suas estimativas de crescimento da China este ano. A Nomura, instituição financeira japonesa, baixou sua previsão de expansão econômica para os últimos três meses deste ano de 4,4 por cento para três por cento.

A escassez de eletricidade já começa a piorar os problemas da cadeia de suprimentos. A súbita retomada da economia mundial levou à escassez de componentes-chave, como chips de computador, e ajudou a provocar uma confusão nas linhas de transporte globais, colocando em lugares errados muitos contêineres e os navios que os transportam.

As fontes de energia não são muito diferentes. Em comparação com o ano passado, a demanda de eletricidade na China está crescendo este ano a quase o dobro do seu ritmo anual habitual. O grande aumento nas encomendas de smartphones, eletrodomésticos, equipamentos de exercício e outros produtos manufaturados que as fábricas chinesas produzem impulsionaram a ampliação do consumo.

Os problemas de energia da China estão contribuindo, em parte, para preços mais altos em outros lugares, incluindo a Europa. Especialistas apontaram que um aumento nos preços na China fez com que distribuidores de energia enviassem navios carregados com gás natural liquefeito para portos chineses, forçando outros países a procurar outras fontes. Mas a maior parte dos problemas de energia chineses é exclusiva do país.

Dois terços da eletricidade da China provêm da queima de carvão, que Pequim está tentando conter para enfrentar as mudanças climáticas. O preço do carvão subiu com a demanda; contudo, como o governo mantém o preço da eletricidade baixo, particularmente em áreas residenciais, o consumo de casas e empresas aumentou.

Diante da perda de mais dinheiro com cada tonelada de carvão adicional queimada, algumas usinas fecharam para manutenção nas últimas semanas, alegando que isso era necessário por razões de segurança. Muitas outras estão operando abaixo da capacidade total e estão cautelosas em relação ao aumento da geração quando isso significaria perder mais dinheiro, disse Lin Boqiang, reitor do Instituto de Estudos de Política Energética da China da Universidade de Xiamen.

No fim de agosto, a principal agência chinesa de planejamento econômico, a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, também ordenou que 20 grandes cidades e províncias reduzissem o consumo de energia pelo resto do ano. Os reguladores citaram a necessidade de garantir o cumprimento das metas anuais estabelecidas por Pequim para as emissões de dióxido de carbono com a queima de combustíveis fósseis.

Além do carvão, as hidrelétricas fornecem grande parte do resto da energia da China, enquanto as turbinas eólicas, os painéis solares e as usinas nucleares desempenham um papel crescente.

A dificuldade de manter as luzes acesas e as torneiras funcionando representa um desafio para Xi Jinping, o principal líder do país, e para o Partido Comunista Chinês. Eles exibiram uma posição triunfal este ano, enfatizando o sucesso em eliminar rapidamente os surtos do coronavírus e na vitória da liberação de um executivo sênior da Huawei, Meng Wanzhou, em uma disputa com os Estados Unidos e o Canadá.

Mas Xi corre o risco de ser vinculado a problemas, não apenas a sucessos. Ele sufocou com determinação qualquer oposição dentro do Partido Comunista e ampliou seu alcance a mais setores da vida chinesa. Se os chineses começarem a apontar culpados, não haverá muitas opções além dele.

A recuperação econômica chinesa em relação ao coronavírus foi impulsionada em grande parte pelo investimento pesado em infraestrutura, bem como pelo aumento das exportações. O uso industrial global consome 70 por cento da eletricidade do país, principalmente pela maioria das produtoras estatais de aço, cimento e alumínio. "Se elas produzirem mais, haverá um impacto enorme na demanda de eletricidade", afirmou Lin, acrescentando que os observadores econômicos da China ordenariam que esses três usuários industriais diminuíssem seu consumo.

As interrupções causadas pela falta de energia já foram sentidas em Dongguan, cidade no coração do cinturão industrial do sul. Suas fábricas fazem produtos que incluem eletrônicos, brinquedos e suéteres.

A autoridade local de transmissão de energia em Houjie, município a noroeste de Dongguan, emitiu uma ordem de desligamento de eletricidade para muitas fábricas. O rugido dos enormes geradores a diesel tomou as ruas e os becos da cidade, onde dezenas de fábricas funcionam entre prédios de apartamentos de trabalhadores migrantes. Os aparelhos de ar-condicionado não estavam funcionando quando as temperaturas subiram para a casa dos 30 graus, e apenas poucas luzes brilhavam em algumas das janelas das fábricas.

Um dos geradores barulhentos funcionava em um contêiner amarelo de seis metros atrás de uma fábrica onde trabalhadores com macacões azuis e alaranjados produziam sapatos de couro masculino e feminino para compradores americanos e europeus. Tang, o gerente-geral, disse que já trabalhava com regras especialmente rígidas de uso de energia porque o governo havia rotulado sua fábrica como "de baixo lucro e alto consumo".

Ao longo de becos próximos, uma série de pequenas oficinas faz palmilhas e outros componentes de sapato que serão montados na fábrica de Tang e em outras similares nas proximidades. Os preços dos componentes já aumentaram de 30 a 50 por cento em relação ao ano passado, à medida que os custos de mão de obra e os preços das matérias-primas aumentam, segundo Tang. "Muitos que trabalham nessa linha de negócios acreditam que estamos basicamente perdendo dinheiro este ano", comentou em sua fábrica na segunda-feira de manhã, acrescentando que as quedas de energia começaram em meados do ano.