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O romance que antecipou a pandemia de coronavírus

O que poderia causar tal devastação de nossa civilização? O diretor de cinema britânico passou a pergunta ao jornalista, escritor e roteirista Lawrence Wright (Oklahoma, 1947).


Quando leu A EstradaRidley Scott fez a mesma pergunta que a maioria dos leitores deste romance de 2006: O que fez a humanidade chegar a um mundo tão pós-apocalíptico quanto o que Cormac McCarthy desenha? O que poderia causar tal devastação de nossa civilização? O diretor de cinema britânico passou a pergunta ao jornalista, escritor e roteirista Lawrence Wright (Oklahoma, 1947). Queria que com essa ideia na cabeça preparasse o embrião de próximo filme. Wright, que em 2007 ganhou o prêmio Pulitzer por seu fino retrato do nascimento da Al-Qaeda até o ataque às Torres Gêmeas (O vulto das torres: a Al-Qaeda e o caminho até o 11/09), reconhecido como o livro que melhor contou os porquês daquele dia fatídico, chegou à única conclusão possível: “Ou uma catástrofe nuclear ou, mais certamente, uma pandemia”.

Escreveu o roteiro, mas nunca viu a luz, então decidiu dar-lhe forma de romance. Wright se documentou e entrevistou epidemiologistas, veterinários e até dentistas para anotar todas as possibilidades no caso de que houvesse uma pandemia real, como se estivesse preparando um livro de não-ficção. Quando o coronavírus começou a golpear Wuhan, Wright ficou impressionado. Ele já sabia o que muitos norte-americanos ignoravam: meses antes, Donald Trump havia acabado com o comitê do Governo encarregado de tomar as decisões em caso de pandemia. Acabara de entrevistá-los enquanto se documentava para o livro. “Este grupo de pessoas, que estava sob o comando do oficial Timothy Ziemer, teria estado no comando se não tivesse sido demitido”, diz com ira. “Ziemer conseguiu reduzir as mortes por malária na África em 6 milhões de pessoas em comparação com o que era esperado, sabe do que está falando. Mas Trump eliminou aqueles que mais sabiam sobre esse assunto, um dos tantos erros colossais do presidente dos Estados Unidos.” 

A resposta internacional, na opinião dele, foi terrivelmente inadequada. Afirma que o Governo dos Estados Unidos estava ciente de que uma pandemia poderia um dia atingir o país. A saúde pública, ressalta, vem fazendo simulações há anos, traçando estratégias para enfrentá-la, porque sabiam que aconteceria. Tinham calculado quantos hospitais seriam necessários, quantas máscaras... “Os números estavam aí. Eu os usei para o meu romance. Mas nossas autoridades não acreditavam que algo assim pudesse acontecer em nossos tempos, estavam como que em transe.”

No próximo dia 28 de abril verá a luz nos Estados Unidos The End of October, que conta o périplo de um epidemiologista da OMS na luta para encontrar uma cura para um vírus mortal antes que acabe com a civilização. “Perguntei como seria se algo assim acontecesse em um mundo como o de hoje, onde as viagens são instantâneas, com cidades densamente povoadas”. Em uma pandemia antiga, levaria um ano para se espalhar. Hoje, imaginou o escritor radicado em Austin, Texas, seria instantâneo. E é chocante ver que está sendo assim. “Temos muito pouco tempo para resolver o problema.”